Os Silêncios do Jornalismo


Tema do Colóquio

A pesquisa em jornalismo tem se interessado já há algum tempo pelas grandes proibições que são objeto consensual dos discursos profissionais, políticos, sociais: a mentira, a usurpação e a dissimulação da identidade do jornalista; a alteração dos fatos; a narrativa ficcional; a falta de solidariedade com os colegas de profissão; a aliança com o poder político ou com a polícia; a confusão entre a comunicação organizacional e o jornalismo; os conflitos de interesse; o segredo profissional; a censura; a apologia à violência e ao racismo.

A passagem do discurso normativo à prática cotidiana dos jornalistas sempre revelou uma grande quantidade de contradições – algumas fortes – que levam a debates no qual a reflexão deontológica possui um papel essencial. Tais debates permitem dar visibilidade e publicidade aos valores profissionais do jornalismo. Partindo numa direção oposta a esse fenômeno de publicização da cultura profissional do jornalismo, o 3º Colóquio MEJOR sobre as mudanças estruturais do jornalismo quer se dedicar à compreensão do que não se diz, do que não se discute na prática jornalística.

De fato, o jornalismo é marcado por não ditos. A lista pode ser longa: gostar de fazer a cobertura de fait-divers, de um conflito, de uma guerra; investigar aspectos sujos ou obscuros de um tema; estar a serviço das autoridades; decidir não citar as fontes para esconder algum aspecto da apuração; gostar de não ter um compromisso moral com uma fonte, de não ajudar uma fonte em situação de perigo; de amar os contextos de adrenalina, de violência ou, pelo contrário, detestar o lado aventureiro do jornalismo, não gostar de sair da redação; buscar os holofotes, querer ser uma celebridade; trabalhar de forma superficial ou inculta; autocensurar-se por medo de represálias; não ser solidário com um colega; conhecer as dores, ferimentos e doenças advindas do exercício da profissão e não querer reconhecê-las para não demonstrar fragilidade. Junto com o silêncio sobre certas práticas do cotidiano do jornalismo observamos um outro tipo de ocultação, a dos assuntos não mencionados, das informações que são parcialmente ou totalmente escondidas da cobertura midiática: o nome das pessoas envolvidas em um delito; o suicídio de certas pessoas; a vida privada dos políticos; as relações entre certas fontes de informação e os jornalistas, ou entre atores econômicos e os meios de comunicação; a introdução de produtos, marcas ou mesmo de ideias no conteúdo jornalístico. Esses silêncios variam de acordo com o país. Assim, no Brasil, fala-se pouco do suicídio; na França, prefere-se não mencionar o nome das pessoas que praticaram algum delito; e, durante muito tempo, a vida privada dos políticos era objeto de silêncio.

Hoje isso é menos frequente. Tais práticas e assuntos frequentemente evitados constituem arranjos, pequenos ou grandes, mas que destoam das representações e imaginários do jornalismo, o que explica a sua omissão nos discursos sobre a profissão. Mas o fato da haverem práticas e temas silenciados não tira a importância deles no estudo do jornalismo.

Este 3º Colóquio Mejor se propõe a ir além do simples debate sobre as distorções dos discursos e das práticas entre a moral profissional e os usos que os jornalistas fazem dela na produção jornalística. Ele não visa, portanto, refletir sobre a deontologia em si, mas pretende discutir sobre os silêncios e os seus efeitos, buscando responder a um conjunto de questões:

A – Quais silêncios? Quais são os silêncios do jornalismo? Do que estamos falando quando abordamos esse assunto?

Quais são as transgressões do jornalismo das quais não se fala, não se reconhece e que, contudo, são conhecidas? Como os não ditos variam de um país a outro, de uma época a outra?

B – Quem produz os silêncios? Como eles são construídos? Como são produzidos pelos grupos profissionais e que tipo de cultura eles estabelecem? Eles são resultado das autoridades que regulam a autonomia do jornalismo? São enunciados pela instituição que organiza e orienta o trabalho dos jornalistas?

C – Como detectar os silêncios? Os discursos institucionais (profissão, lei, moral profissional e as prescrições das empresas jornalísticas) apresentam algum tipo de vestígio dessas omissões? Como encontrar os traços desses tabus? Como questionar ou observar os jornalistas a respeito desses não ditos?

D – Como é vivenciado o silêncio? Como se interiorizam os silêncios? Como eles são apreendidos? As figuras tutelares do jornalismo participam desse processo? Ou as prescrições são enunciadas e transmitidas? Como avaliar que uma prática ou atitude seja considerada um tabu? Como o jornalista vive essa situação? O que explica o fato dele não falar sobre isso? Como ele vivencia isso de acordo com os contextos nacionais, com as épocas e locais?

E – Qual o efeito de transgredir um silêncio? Como se apresenta a transgressão de um silêncio? É uma iniciativa individual? É um processo coletivo? O que acontece com aqueles que transgridem um silêncio? O que a comunidade profissional faz com eles? Em que nível é exercido o seu controle: profissão, autoridades, indivíduos?

F – Como os silêncios se relacionam às transformações e permanências do jornalismo? É possível compreender as mudanças e continuidades do jornalismo por meio do estudo dos seus silêncios? De que forma eles são reveladores dessas dinâmicas? Como os processos de emergência, de transformação, de desaparecimento dessas omissões permitiriam revelar as transformações da prática jornalística e do mundo midiático?

Thème du colloque

La recherche en journalisme s’est, depuis longtemps, intéressée aux grands interdits qui font l’objet de consensus dans les discours professionnels, politiques ou sociaux : le mensonge, l’usurpation et la dissimulation d’identité, la recomposition des faits, les procédés fictionnels, la dénonciation des confrères, l’alliance avec le pouvoir politique ou avec la police, la confusion de la communication et du journalisme, les conflits d’intérêts, le secret professionnel, la censure, l’apologie de la violence ou du racisme.

Le passage du discours normatif à la pratique quotidienne des journalistes a toujours révélé quantité de contradictions, parfois fortes, qui entrainent des débats dans lesquels la réflexion déontologique tient une place essentielle. Ces débats contribuent à rendre visibles, publiques, les valeurs professionnelles du journalisme. Prenant le contre-pied de cette publicisation de la culture professionnelle, le troisième colloque MEJOR sur les changements structurels du journalisme, choisit de s’intéresser à ce qui ne se dit pas, ce qui ne se discute pas.

Le journalisme est en effet peuplé de pratiques non dites. La liste peut être longue : – avoir du plaisir à couvrir un fait-divers, un conflit, une guerre, à fouiller les aspects sales ou noirs d’un sujet ; – être redevable des autorités pour la réalisation de son métier ; – ne pas citer ses sources sans autre raison que de cacher ses pratiques ; – estimer ne pas avoir de contrat moral avec une source, ne pas venir en aide à des sources mises en danger ; – aimer les contextes d’adrénaline, de violence ou au contraire, détester le côté aventureux du journalisme, ne pas aimer sortir de la rédaction ; – chercher à briller telle une célébrité; – travailler de façon superficielle ou inculte ; – s’autocensurer par peur des représailles ; – ne pas être solidaire avec un collègue ; – et même, connaître des douleurs, des blessures, des maladies engendrées par l’exercice de la profession, et ne pas vouloir les reconnaître, par peur d’apparaître faible. Ce silence à propos de certaines pratiques quotidiennes du métier se double d’une autre occultation, celle des sujets dont on ne parle pas ou peu, ou des informations que l’on cache en totalité ou en partie : – le nom des personnes impliquées dans un délit ; – le suicide de certaines catégories de personnes ; – la vie privée des élus politiques ; – les relations entre certaines sources d’information et des journalistes, ou entre des acteurs économiques et des médias ; -

l’introduction de produits, de marques ou même d’idées dans le contenu journalistique. Ces silences semblent différents d’un pays à l’autre ; ainsi, au Brésil on parle peu du suicide, en France ce sont les noms des personnes en délit qui sont cachés ; pendant longtemps la vie privée des élus fut passée sous silence, elle ne l’est plus. Ces pratiques et ces sujets éludés constituent des arrangements, petits ou grands mais peu en phase avec les représentations et les imaginaires du journalisme, ce qui explique leur omission. Or, le fait qu’ils soient non dits, non débattus, ne signifie pas qu’ils n’ont pas d’importance, bien au contraire. La problématique que le colloque MEJOR 3 tâchera d’aborder ne sera pas la distorsion entre les discours et les usages, entre la morale professionnelle et les usages de production. Il ne réfléchira donc pas sur la déontologie en tant que telle, mais s’interrogera sur la réalité des silences et sur leurs effets, en tentant de répondre à un ensemble de questions :

A – Quels silences? Quels sont les silences du journalisme ? De quoi parle-t-on lorsque l’on aborde ce sujet ? Quelles sont les transgressions dont on ne parle pas, que l’on n’avoue pas, et qui pourtant sont connues ? Qu’est-ce qui est caché dans un pays et pas dans un autre ? Qu’est-ce qui est occulté à une époque et pas à une autre ?

B – Qui produit les silences ? Comment se construisent-ils ? Sont-ils produits par les groupes professionnels et la culture qu’ils ont établie ? Proviennent-ils des autorités qui régulent l’autonomie du journalisme ? Sont-ils énoncés par l’entreprise qui organise et oriente le travail des journalistes ?

C – Comment repérer les silences ? Les discours institutionnels (profession, lois, morale professionnelle et prescriptions d’entreprises) portent-ils la trace de ces omissions ? Comment retrouver les traces de ces tabous ? Comment, dans ces cas, interroger ou observer les journalistes ?

D – Comment sont vécus les silences ? Comment s’intériorisent les silences ? Comment s’apprennent-ils ? Les figures tutélaires jouent-elles un rôle ? Où les prescriptions sont-elles énoncées et transmises ? Comment évaluer qu’une pratique ou une attitude soit taboue ? Comment le journaliste vit-il cette situation ? Qu’est-ce qui explique qu’il n’en parle pas ? Le vit-on différemment selon les contextes nationaux, les époques, les lieux ?

E – Quel effet cela a-t-il de transgresser un silence ? Comment survient la transgression d’une occultation ? Est-ce une démarche individuelle ? Est-ce un processus collectif ? Qu’arrive-t-il à ceux qui transgressent le silence ? Qu’est-ce que la communauté fait de celui qui les transgresse ? A quel niveau se fait le contrôle : la profession, les autorités, les individus ?

F – De quelles transformations ou permanences témoignent les silences ? Est-il possible de comprendre les changements et les continuités du journalisme au travers de l’étude de ses silences ? De quelle manière sont-ils révélateurs de ces dynamiques ? Comment les processus d’émergence, de transformation et de disparition des omissions du journalisme permettent-ils de révéler les transformations du métier et du monde médiatique ?